16 outubro 2025

A Aventura do Dinheiro: Uma Crônica da História Milenar da Moeda (Notas de Livro)

Título: A Aventura do Dinheiro: Uma Crônica da História Milenar da Moeda

Autor: Oscar Pilagallo

PILAGALLO, Oscar. A Aventura do Dinheiro: Uma Crônica da História Milenar da Moeda. São Paulo: Publifolha, 2009.

1 — Papai, o Que É Dinheiro?

"O que é dinheiro?" é a pergunta do garoto ao pai, o senhor Dombey, personagem-título do romance Dombey and Son, do inglês Charles Dickens, publicado em meados do século 19. Quando a história começa, Dombey é rico e orgulhoso; perto do fim, está falido e humilhado.

Dinheiro é uma metáfora, ou seja, uma coisa que significa outra coisa. Dinheiro mesmo é aquilo que ele pode comprar; aquilo que custou ganhá-lo.

Palavras e moedas têm algo em comum: dependem de consenso e só circulam onde são conhecidas. Ambas correm o risco de ser desvalorizadas: a primeira pela inflação, a última pelo clichê. Cunhe-se uma boa frase, e ela enriquecerá a língua; cunhe-se uma boa moeda, e ela enriquecerá a sociedade.

"O dinheiro tem esse nome porque existe não por natureza, mas pela lei, e porque está em nosso poder mudá-lo ou torná-lo inútil."(Aristóteles)

Na Bíblia, há referências ao dinheiro ou à riqueza. "É mais fácil um camelo entrar por um buraco da agulha do que o rico se salvar"; "Ninguém pode servir a dois senhores. Vocês não podem servir a Deus e ao dinheiro". Alexander Pope, poeta e satirista inglês do século 18, que era católico, disse: "Percebemos o pequeno valor que Deus dá às riquezas pelas pessoas a quem Ele as entrega".

A relação entre o divino e o monetário se dá também no campo dos símbolos. Observe a hóstia e a moeda. Para Marc Shell, professor de literatura na Universidade de Harvard, hóstia e moeda têm o mesmo formato e são fabricadas de maneira semelhante, prensadas entre chapas de metal. Ambas ostentam insígnias. Ambas têm caráter ambivalente. Por fim, hóstia e moeda dependem de uma crença absoluta: se determinada comunidade duvidar que elas têm o valor que lhes é atribuído, então serão reduzidas apenas à condição física de trigo e metal.

Mais que o dinheiro e os juros, no entanto, é o ouro a representação da riqueza mais associada à ganância. Na mitologia grega, a história mais conhecida é a do rei Midas. A posse do dinheiro pode despertar a avareza e estimular a aspiração ao poder.

Enterrar tesouro é a manifestação mais explícita da avareza.

Freud analisa o amor ao dinheiro com a prisão de ventre. São dois casos de retenção: no primeiro caso de riqueza; no segundo, de fezes. O símbolo mais popular de poupança é um porco, cuja imagem próspera está associada à imundície e à voracidade.

Para o filósofo, o meio-termo ideal em relação ao dinheiro é a liberalidade, entendido liberal como aquele que "gasta de acordo com suas posses e objetivos certos". Poeta, ensaísta e dicionarista inglês, Samuel Johnson (para quem "só um imbecil escreve que não seja por dinheiro") mostrou que entendia também de economia ao perceber corretamente que dinheiro não é riqueza, mas apenas sua representação.

Materiais já usados como dinheiro: pregos, manteiga, chiclete, cigarro, sementes de cacau...

2 — A Balança e a Efígie

José, filho de Jacó, ia ser queimado pelos seus irmãos. Em vez disso, vendem-no por vinte moedas de prata. A história bíblica é bastante conhecida. Está contada no Gênesis, o primeiro dos cinco livros do Antigo Testamento. E contém um erro, pois na época ainda não havia moeda.

Sólon é o estadista que, em meados do século 6 a.C., promove as reformas que põem fim ao controle total da aristocracia sobre o governo em Atenas, a cidade-Estado mais importante da Grécia.

Há quem estabeleça um vínculo entre declínio da escravidão e moeda, uma vez que, na ausência do dinheiro, alguma forma de escravidão é praticamente inevitável, enquanto a moeda, se expressar valores compatíveis com a remuneração do trabalho, pode ser usada para pagar salários a homens livres. Era o caso de Atenas, onde um dia de trabalho não especializado custava, em média, 1 dracma. O dracma, cujo nome deriva do verbo grego que significa "pegar", é a base do sistema monetário do mundo helenístico, de moedas facilmente reconhecíveis pela indefectível efígie da coruja, ave associada a Atenas, a deusa protetora da cidade. Com 100 dracmas tem-se uma mina (mesmo nome usado na Mesopotâmia); e 60 minas valem 1 talento, também uma medida de peso.

Aristóteles não achava natural o uso do dinheiro para gerar mais dinheiro. Para ele, a função do dinheiro deve ser apenas a de tornar todas as outras coisas mensuráveis por um único padrão, e nesse caso é instrumento de justiça. Quanto a Platão, queria simplesmente acabar com a moeda, que inviabilizava o exercício da virtude. Pessoalmente, Sócrates não se preocupava com dinheiro. Sem ofício remunerado, vivia da herança deixada pelo pai, dinheiro que aliás emprestava a juros, inclusive a amigos, como Críton, que dá nome a um dos diálogos de Platão.

Se a Grécia é a primeira civilização transformada pelo surgimento da moeda, Roma dá um passo além e torna-se o primeiro império construído sobre a moeda. Em vez de dracma temos o denário, nome que está na origem da palavra "dinheiro". Mas há diferenças importantes: a emissão passa a ser gigantesca, proporcional aos gastos para a manutenção da máquina militar e administrativa de Roma; outra é que com o denário nasce também a inflação.

A frequente referência a dinheiro nos evangelhos indica que no tempo de Jesus a economia já está totalmente monetizada até em lugares afastados do centro do poder, como a Palestina. Entre as várias menções, talvez a mais conhecida seja a das trinta moedas de prata que Judas recebeu pela traição a Jesus.

3 — Campônios, Mercadores, Banqueiros

As Cruzadas. Para a história da moeda, interessa registrar que esse tipo de aventura custa dinheiro e precisa, portanto, ter algum esquema de financiamento. Motivados pela indulgência prometida pelo papa (para não mencionar o objetivo de conquistar terras), os nobres desenterravam seus tesouros, vendiam bens, levantavam empréstimos, liberavam servos mediante pagamento, enfim, faziam a moeda voltar a circular. E para quem estivesse endividado o estímulo para participar das Cruzadas era ainda maior.

A máquina das Cruzadas era vitalizada por uma elite de cavaleiros, chamada Ordem dos Templários, organização criada em Jerusalém no início do século 12, logo após a primeira Cruzada. Os cavaleiros tinham rígida estrutura militar e, ao serem aceitos na ordem, faziam votos de castidade e, o mais importante, de pobreza. Com esse perfil que combinava segurança e honestidade, não demorou para que se tornassem depositários das fortunas dos pobres que se juntavam às Cruzadas.

A economia monetária na Europa estava de volta, e com pelo menos uma grande vantagem sobre a existente no Império Romano: os algarismos agora eram arábicos, uma novidade lá chegada no inicio do século 13. A importância dos números arábicos sobre os romanos pode ser vista no exercício de soma: quanto é MDCXXXIV mais CCCLXVI? Agora escreva 1.634 e, na linha de baixo, 366. Chega-se facilmente a 2.000.

No Êxodo está escrito: "Se emprestares algum dinheiro aos do meu povo, que são pobres entre vós, não o apertes como exator inexorável, nem o oprimas com usura". No Deuteronômio, a mensagem é a mesma: "Não emprestarás com usura a teu irmão, nem dinheiro, nem grão, nem qualquer outra que seja, mas somente ao estrangeiro". São Tomás de Aquino, no século 13, também condena a usura. O conceito de usura mudou, na medida em que a nova realidade econômica se impunha sobre a ortodoxia religiosa. Inicialmente, usura queria dizer apenas juros; aos poucos, passou a designar juros exorbitantes, aqueles que ultrapassassem em muito os 12% ao ano, o teto fixado pelo direito romano.

O protestantismo, ao contrário do catolicismo, não condenava os juros, e isso era tudo o que os espírito empreendedores do século 16 queriam ouvir. Calvino questionou o dogma de que o dinheiro é estéril (não podendo, por si, gerar mais dinheiro) e tentou tirar o debate econômico da esfera teológica.

Sobre a emissão de moedas, há um aforismo: "A moeda má expulsa a moeda boa".

Com o surgimento do dinheiro bancário e a revitalização da cunhagem propiciada pela prata e o ouro da América, a Europa deixa definitivamente para trás a limitada economia da Idade Média.

4 — Revoluções do Papel

Primeiras notas causam inflação, mas financiam a independência americana e a Revolução Francesa.

Os batavos viam nas tulipas não apenas a flor ornamental que todos vemos, mas também a grande oportunidade de fazer fortuna rápido. Os produtores vendiam algo que ainda não existia. O que o comprador levava era um pedaço de papel que valeria um bulbo quando chegasse a época da arrancadura. O caso da febre das tulipas é precursor das ondas especulativas que até se sucedem.

Enquanto a Europa, escaldada por bolhas especulativas, começava a se pautar por atitude mais conservadora no terreno monetário, o Novo Mundo, sem ter o que perder, atirava-se em experimentos que culminariam com a invenção da cédula de dinheiro, o papel-moeda. O papel, diferente do metal, não tem outro valor além daquele que lhe atribui a sociedade. Só se aceita um papel como moeda se há confiança de poder repassá-lo, e pelo mesmo valor.

Os governantes europeus, e o de Londres não fugia à regra, acreditavam que um país seria tanto mais rico quanto mais ouro e prata possuísse. Uma maneira de conseguir a riqueza era vender mais ao exterior do que comprar do estrangeiro. Isso fundamentava a política econômica denominada de mercantilismo. Em parte para contestar esse raciocínio, Adam Smith escreve a Riqueza das Nações. Nesse livro enfatiza a mão invisível, metáfora capaz de corrigir qualquer distorção do sistema econômico. É o chamado laissez-faire.

Enquanto a Europa se preocupava com a divisibilidade da moeda, os Estados Unidos queriam apenas multiplicá-la; havia ali, afinal, mais uma guerra a ser financiada.

5 — Do Ouro ao Pó

Um dos objetivos aos quais a alquimia está mais associada é a transmutação de metais , como o chumbo, em ouro. O desejo de criar ouro pode levar à destruição do próprio metal, pois deixaria de ser cobiçado, ou seja, deixaria de ser raro.

A história do ouro é bem mais antiga que a do dinheiro.

A cólera de Moisés tinha mais a ver com o bezerro, ou qualquer que tivesse sido a imagem, do que propriamente com o material usado, mas, diante da ambição do cristianismo à ambição pela riqueza material, parece significativo que a estátua fosse feita justamente do metal mais associado à condenável ganância.

A partir dos anos 70, as moedas passam a ser totalmente fiduciárias, quer dizer, dependentes apenas da confiança que as sociedades depositam nelas. Hoje, qualquer papel-moeda não lastreado em ouro chama-se moeda fiduciária.

6 — Enquanto isso, no Brasil

No Brasil, não só os escravos tinham que improvisar com moedas. Nem mesmo o governador-geral escapava. Mem de Sá dissera que por falta de moeda, seu ordenado estava sendo pago em mercadorias. O governador do Rio de Janeiro determinou que o açúcar fosse considerado moeda legal.

A metrópole, por sua vez, emitia moedas de cobre para servirem como troco no Brasil. Vinham com uma inscrição em latim que significava "O cobre é mais próprio para o uso do que o ouro".

7 — O Princípio da Incerteza

O dinheiro virtual irá além da ficção científica?

Moedas globais e privadas poderão coexistir?

O livro de Philip Dick Blade Runner, não o filme, tem todos os ingredientes de ficção científica: colonias em outros planetas, carros voadores, aparelhos eletrônicos que respondem a comando de voz, brinquedos animados por engenheiros genéticos. Nesse ambiente em que a tecnologia desconhece fronteiras, contrasta o fato de o dinheiro e o comércio serem convencionalmente representados pelo dólar o pelo catálogo de vendas. Em outro clássico da ficção científica, da série Fundação, de Isaac Asimov, o dinheiro recebe um nome moderno — crédito.

As obras de Asimov e Philip Dick datam de meados do século 20, quando se disseminou o uso do cartão de crédito, inovação precursora da tendência de limitar cada vez mais o manuseio do dinheiro vivo. Hoje, os pesquisadores a serviço das instituições financeiras estão debruçados sobre o dinheiro eletrônico.

A diferença entre dinheiro virtual e dinheiro real é mais relevante para quem emite o cartão inteligente do que para quem o utiliza. Para o portador do smart card, trata-se de dinheiro comum, com a diferença de ser mais conveniente. Ele "abastece" seu cartão transferindo um valor de sua conta para o chip e depois esvazia a memória, isto é, gasta, como bem quiser. Já para a empresa que emite o cartão há uma grande diferença entre os dois tipos de dinheiro. Ela poderia criar dinheiro virtual. Para tanto, bastaria permitir que a memória do cartão fosse preenchida não com o dinheiro da conta do dono do cartão, mas com o crédito do emissor do cartão. Seria uma velha prática. Os banqueiros criam dinheiro, multiplicando o valor dos depósitos em empréstimos.

Há uma outra definição possível de dinheiro eletrônico: "Trata-se de uma partícula virtual que não pode ser detectada diretamente, mas cuja existência tem efeitos mensuráveis". A economista Elinor Harris Solomon, no livro Virtual Money, tomou socorreu-se da mecânica quântica para explicar o conceito de dinheiro eletrônico. Ela compara: "Com frequência, esse dinheiro ilusório também não pode ser detectado diretamente, mas seus efeitos são bem reais, como a volatilidade dos mercados de câmbio e das bolsas". Para Solomon, a altíssima velocidade com que o dinheiro virtual circula no globo é um obstáculo à defesa de moedas nacionais pelos bancos centrais.

São Paulo, junho de 2016.

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