“Onde se lançam livros às chamas, acaba-se
por queimar também os homens”. (Heine)
Ray Douglas Bradbury (1920-2012) foi um
escritor americano que atuou, primeiramente, como romancista e contista de
obras de ficção e fantasia. Entre suas obras famosas, temos "Crônicas
Marcianas" (1950) e "The Illustrated Man" (1951). Contudo, o
romance que o consagrou mundialmente foi "Fahrenheit 451", em que
bombeiros queimam livros, lançado em 1953 e filmado em 1966 por François
Truffaut. O futuro não é muito distante e pode perfeitamente corresponder ao
nosso presente.
Eis como começa o seu romance:
"Queimar era um prazer. Era um prazer especial ver as coisas serem
devoradas, ver as coisas serem enegrecidas e alteradas. Empunhando o bocal de
bronze, a grande víbora cuspindo seu querosene peçonhento sobre o mundo, o
sangue latejava em sua cabeça e suas mãos eram as de um prodigioso maestro
regendo todas as sinfonias de chamas e labaredas para derrubar os farrapos e as
ruínas carbonizadas da história. Na cabeça impassível, o capacete simbólico com
o número 451 e, nos olhos, a chama laranja antecipando o que viria a seguir,
ele acionou o acendedor e a casa saltou numa fogueira faminta que manchou de
vermelho, amarelo e negro o céu do crepúsculo. A passos largos ele avançou em
meio a um enxame de vaga-lumes. Como na velha brincadeira, o que ele mais
desejava era levar à fornalha um marshmallow na ponta de uma vareta, enquanto
os livros morriam num estertor de pombos na varanda e no gramado da casa.
Enquanto os livros se consumiam em redemoinhos de fagulhas e se dissolviam no
vento escurecido pela fuligem".
Questão: Depois de queimados todos os
livros físicos, queimariam também as pessoas que os tivessem alojados em suas
memórias?
Este romance é incluído na categoria
"distopia", ou seja, uma "utopia negativa". Bradbury
imagina uma sociedade em que os livros são proibidos, pois quem os mantiver
estará cometendo um crime. Como as casas, em "Fahrenheit 451", são à
prova de combustão, a tarefa dos bombeiros não é apagar incêndios, mas atear
fogo, principalmente nos livros, para evitar que as fantasias contidas nesses
compêndios perturbem o sono dos seus habitantes honestos, que são manipulados
pela televisão. Além disso, as pessoas recebem doses maciças de narcotizantes.
Manuel da Costa Pinto, jornalista, em seu
prefácio ao livro, enfatiza que A Muralha Verde, de Ievguêni
Zamiátin, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, ou A
Revolução dos Bichos e 1984, de George Orwell, seriam
assim os antecedentes imediatos de Fahrenheit 451. Em todos esses
romances há sociedade policialesca, em que a individualidade é sacrificada pelo
poder de Estado. "Enquanto Huxley e Orwell escreveram seus livros sob o
impacto dos regimes totalitários (nazismo e stalinismo), Bradbury percebe o
nascimento de uma forma mais sutil de totalitarismo: a indústria cultural, a
sociedade de consumo e seu corolário ético — a moral do senso comum".
Guy Montag, bombeiro, é a figura central
desse romance. Acostumado a incendiar livros, depara-se com dois fatos
marcantes: 1) mulher que prefere ser queimada junto à sua biblioteca; 2) Clarisse
McClellan, uma jovem adolescente, que lhe fala das coisas simples, como por
exemplo, conversa entre amigos, que é coibida numa sociedade que administra o
ócio por meio de atividades programadas na televisão.
Montag, no
fim do romance, refugia-se em uma comunidade de pessoas, que vivem à margem da
sociedade. Cada uma delas é chamada de "pessoa-livro", pois, depois
de memorizar um determinado autor, o livro é destruído, ficando apenas na
memória daquele indivíduo.
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