Para o homem comum parece estranho o
discípulo divergir do mestre. Em Filosofia isso não só é possível, como faz parte
do próprio processo filosófico, pois de acordo com as suas premissas, cada
filósofo deve recomeçar do que o seu anterior deixou registrado. É justamente
isso o que Aristóteles fez em seu livro A Política, uma
coleção de textos esotéricos, ou seja, pronunciados em forma de
anotações de aula, dada no Liceu (acroasis = escutar). Vejamos
algumas dessas divergências.
Platão, em sua teoria das ideias, separa a
essência (alma) do aparecer. Para ele, alcançar a alma, a forma perfeita, só é
possível desviando-se do sensível, dominando os instintos corporais e reduzindo
as paixões à servidão. Em outras palavras, o sumo bem se realiza fora do mundo
presente — o outro mundo. Aristóteles concorda com a teoria das essências
platônicas, porém rompe-a num ponto capital: estas essências não estão
separadas da realidade sensível; elas estão no "interior". Para
Aristóteles, o sumo bem é decorrência da potencialização das virtualidades
contidas em cada ser humano.
Na obra A República (kallipolis) — Cidade Ideal —, Platão estabelece os parâmetros para bem conduzir as pessoas na sociedade. Para ele, o Bem é uma Ideia superior — o sol das Ideias — que dita àquele que sabe e que adquiriu o poder de dominar as suas paixões a conduta correta. Seu defeito é mostrar-se tão radiosa, impossível de ser alcançada. Em A Política, Aristóteles muda o eixo da análise para o hic et nunc (aqui e agora). Fala que a Cidade é o ponto de convergência dos interesses individuais e que, à semelhança dos animais, os homens devem viver em sociedade, onde conseguirão atingir o bem comum, a vida perfeita e a felicidade plena.
Na Cidade Ideal de Platão,
a arte de governar é apanágio dos filósofos, considerados os mais aptos para
conduzir as pessoas. Os escravos, ou bárbaros, ou ralé existem simplesmente
para atender à vontade daqueles que o comandam: classe dos filósofos e dos
guerreiros. Para Aristóteles, o comando era dado aos cidadãos,
aqueles possuidores de magistratura. Para ele, nem todos são aptos a governar,
contudo respeita a escravidão como sendo um fato natural. Não é porque a pessoa
é escrava que sua essência é menos significante do que a de um outro ser
humano.
Para Platão, a vida em
sociedade era hierarquizada, e que exclui logo de início, a própria
possibilidade da democracia: a constituição na qual o poder de decidir, de
julgar e de legislar é antecipadamente destinado a qualquer um. Aristóteles,
ao contrário, pregava a obediência à constituição estabelecida, a qual deveria
gerir uma Cidade. Alertava, contudo, para o desvio negativo, ou seja, a monarquia descambar
em tirania — governo de um só, a aristocracia para
a oligarquia — governo conforme o interesse dos mais ricos e
a democracia para a demagogia – governo em
função dos mais pobres.
A vida presente e a vida futura devem
ser sintetizadas. Se conseguíssemos encontrar o meio termo entre Platão e
Aristóteles, certamente estaríamos forjando a nossa alma de acordo com os
princípios das verdades eternas.
Fonte de Consulta
CHÂTELET, F., DUHAMEL, O. e PISIER,
E. Doutrina de Obras Políticas. Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 1993.
Nenhum comentário:
Postar um comentário