31 outubro 2019

Fahrenheit 451 (Livro)

“Onde se lançam livros às chamas, acaba-se por queimar também os homens”. (Heine)

Ray Douglas Bradbury (1920-2012) foi um escritor americano que atuou, primeiramente, como romancista e contista de obras de ficção e fantasia. Entre suas obras famosas, temos "Crônicas Marcianas" (1950) e "The Illustrated Man" (1951). Contudo, o romance que o consagrou mundialmente foi "Fahrenheit 451", em que bombeiros queimam livros, lançado em 1953 e filmado em 1966 por François Truffaut. O futuro não é muito distante e pode perfeitamente corresponder ao nosso presente. 

Eis como começa o seu romance: "Queimar era um prazer. Era um prazer especial ver as coisas serem devoradas, ver as coisas serem enegrecidas e alteradas. Empunhando o bocal de bronze, a grande víbora cuspindo seu querosene peçonhento sobre o mundo, o sangue latejava em sua cabeça e suas mãos eram as de um prodigioso maestro regendo todas as sinfonias de chamas e labaredas para derrubar os farrapos e as ruínas carbonizadas da história. Na cabeça impassível, o capacete simbólico com o número 451 e, nos olhos, a chama laranja antecipando o que viria a seguir, ele acionou o acendedor e a casa saltou numa fogueira faminta que manchou de vermelho, amarelo e negro o céu do crepúsculo. A passos largos ele avançou em meio a um enxame de vaga-lumes. Como na velha brincadeira, o que ele mais desejava era levar à fornalha um marshmallow na ponta de uma vareta, enquanto os livros morriam num estertor de pombos na varanda e no gramado da casa. Enquanto os livros se consumiam em redemoinhos de fagulhas e se dissolviam no vento escurecido pela fuligem".

Questão: Depois de queimados todos os livros físicos, queimariam também as pessoas que os tivessem alojados em suas memórias? 

Este romance é incluído na categoria "distopia", ou seja, uma "utopia negativa". Bradbury imagina uma sociedade em que os livros são proibidos, pois quem os mantiver estará cometendo um crime. Como as casas, em "Fahrenheit 451", são à prova de combustão, a tarefa dos bombeiros não é apagar incêndios, mas atear fogo, principalmente nos livros, para evitar que as fantasias contidas nesses compêndios perturbem o sono dos seus habitantes honestos, que são manipulados pela televisão. Além disso, as pessoas recebem doses maciças de narcotizantes.

Manuel da Costa Pinto, jornalista, em seu prefácio ao livro, enfatiza que A Muralha Verde, de Ievguêni Zamiátin, Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, ou A Revolução dos Bichos e 1984, de George Orwell, seriam assim os antecedentes imediatos de Fahrenheit 451. Em todos esses romances há sociedade policialesca, em que a individualidade é sacrificada pelo poder de Estado. "Enquanto Huxley e Orwell escreveram seus livros sob o impacto dos regimes totalitários (nazismo e stalinismo), Bradbury percebe o nascimento de uma forma mais sutil de totalitarismo: a indústria cultural, a sociedade de consumo e seu corolário ético — a moral do senso comum".

Guy Montag, bombeiro, é a figura central desse romance. Acostumado a incendiar livros, depara-se com dois fatos marcantes: 1) mulher que prefere ser queimada junto à sua biblioteca; 2) Clarisse McClellan, uma jovem adolescente, que lhe fala das coisas simples, como por exemplo, conversa entre amigos, que é coibida numa sociedade que administra o ócio por meio de atividades programadas na televisão. 

Montag, no fim do romance, refugia-se em uma comunidade de pessoas, que vivem à margem da sociedade. Cada uma delas é chamada de "pessoa-livro", pois, depois de memorizar um determinado autor, o livro é destruído, ficando apenas na memória daquele indivíduo. 


24 outubro 2019

Admirável Mundo Novo (Livro)

"Admirável Mundo Novo" (Brave New World) é o título do romance de Aldous Huxley, escrito em 1931 e publicado em 1932. A história se passa em Londres no ano 2540 [634 d.F.] ("Depois de Ford"). Antecipa a sociedade totalitária. Posteriormente, reavalia a obra em um ensaio "Regresso ao Admirável Mundo Novo" (1958), e "A Ilha" (1962), seu romance final

Descrição resumida do livro:

Há um Estado totalitário que zela por todos. Os indivíduos, nascidos de proveta, têm comportamentos pré-condicionados e ocupam lugares pré-determinados na sociedade, em que os "alfas" estão no topo e os "ípsilons" na base. Família, monogamia, privacidade e pensamento crítico são considerados crime. Cada usuário é abastecido com a droga soma. A promiscuidade é considerada moralmente boa. União duradoura é rechaçada. Bernard Max foge à regra e acalenta o desejo não natural por solidão, pois não vê graça nos prazeres da promiscuidade compulsória. Bernard quer se libertar. Para tanto, faz uma visita aos poucos remanescentes da Reserva Selvagem, onde a vida antiga, imperfeita, subsiste.

Algumas questões:

Será admirável o mundo novo? A quem interessa essa sociedade que enaltece a máquina e reprime o espírito? Qual o lugar do ser humano numa sociedade dominada pelo Estado, pela máquina? O que pode acontecer ao indivíduo que quer caminhar com os próprios pés? Poder-se-ia dizer que este romance pertence aos nossos dias?

No prefácio do livro (1946), Aldous cita o mais sério defeito do romance, ou seja, o Selvagem tem uma única alternativa: uma vida demente na Utopia, ou a vida de um primitivo na aldeia dos índios, vida mais humana, sob certos pontos de vista, mas, noutros, apenas menos bizarra e anormal. 

Em seguida, diz: 

"Mas voltando ao futuro... Se eu tornasse agora a escrever este livro, daria ao selvagem uma terceira possibilidade. Entre as soluções utópica e primitiva do seu dilema haveria a possibilidade de uma existência sã de espírito — possibilidade atualizada, em certa medida, entre uma comunidade de exilados e refugiados que teriam abandonado o Admirável Mundo Novo e viveriam dentro dos limites de uma Reserva. Nessa comunidade, a economia seria descentralizada, à Henry George, a política seria kropotkinesca, cooperativa. A ciência e a técnica seriam utilizadas como se tivessem sido feitas para o homem, e não (como são presentemente e como serão ainda mais no mais admirável dos mundos novos) como se o homem tivesse de ser adaptado e absorvido por elas. A religião seria a procura consciente e inteligente do Fim Último do Homem, o conhecimento unitivo do Tao ou Logos imanente, da Divindade ou Brama transcendente. E a filosofia dominante da vida seria uma espécie de Utilitarismo Superior, no qual o princípio da Felicidade Máxima seria subordinado ao princípio do Fim último, sendo a primeira questão que se punha e à qual seria necessário responder, em cada uma das contingências da vida, a seguinte: 'Como contribuirão ou porão obstáculos à realização, por mim ou pelo maior número possível de indivíduos, do Fim último do Homem, este pensamento ou este ato?'”

Fonte de Consulta

HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo. 


02 outubro 2019

Novilíngua (George Orwell)

novilíngua (newspeak em inglês, novafala em português) é uma língua que aparece no romance 1984, de George Orwell. Língua extremamente simplificada, é um dos pilares básicos do regime autoritário do Partido. Tinha por objetivo substituir a antilíngua (Oldspeak), o inglês real, para assim dominar o pensamento dos membros do Partido.

Vocabulário é reduzido ao mínimo. O mal converte-se em imbomótimo, em plusbom; terrível, em dupliplusimbom. Um bom falante é aquele que usa menos variedade de palavras para expressar uma ideia. O vocabulário divide-se em: 1) palavras de uso comum (comer, beber, árvore); 2) palavras construídas com fins políticos, com o objetivo de dirigir e controlar o pensamento do falante: bonsexobempensadamenteduplipensar; 3) composto exclusivamente de palavras científicas e técnicas, mas redefinidas de maneira que ficassem desprovidas de significados "potencialmente perigosos".

Algumas Palavras Peculiares

Facecrime (facecrime), rosto com uma expressão imprópria (como mostrar-se incrédulo ante o anúncio de uma vitória), o que é punido por lei.

Duplipensar (doublethink) - capacidade de manter na cabeça dois pensamentos contraditórios, um realista e oposto à doutrina do Partido e outro de acordo com este, de maneira que a forma de atuar, o comportamento e o próprio pensamento seja congruente com o que dite o Partido, independentemente das demais ideias que haja na mente. Por exemplo, se o Partido diz que dois mais dois são cinco, e em nossa mente sabemos que na realidade deveriam ser quatro, a correta aplicação do duplipensar consistiria em manifestar-se e comportar-se como se fossem cinco, mantendo internamente que o resultado é quatro.

Negrobranco (blackwhite), aplicada a um inimigo, refere-se ao costume de afirmar descaradamente que o preto é branco (contradizendo a evidência, que é aquilo que o Partido prescreveu), enquanto ao se referir a um membro do Partido significa afirmar de boa vontade que o preto é branco, quando o Partido assim o indicar.

Extraído de https://conlang.fandom.com/pt/wiki/Novil%C3%ADngua

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Duplipensar (1949) [George Orwell]

Crença simultânea em duas ideias contraditórias com a mesma convicção

Cunhado pelo escritor britânico George Orwell (1903-1950) em seu romance 1984 (1949), o termo “duplipensar” refere-se à crença simultânea em duas ou mais ideias contraditórias, como “Guerra é paz”, “liberdade é escravidão”, “A vida é predeterminada, mas temos o livre-arbítrio”.

No romance, o governo, formado por um único partido político, dominante, controla a população com uma série de ferramentas de coerção, como propaganda, forças policiais secretas, tortura, sistema de vigilância onipresente e espiões. As pessoa só têm direito a acreditar no que contribui para os objetivos políticos do regime. Às vezes, o governo exige que o povo aceite duas ideias como verdade, embora elas sejam contraditórias. Dessa forma, pelo milagre do duplipensar os trabalhadores do Ministério da Paz podem travar guerras, enquanto aqueles que trabalham no Ministério do amor recorrem sem cerimonia à tortura para extrair falsas confissões.

A palavra duplipensar passou a ser utilizada na linguagem popular para descrever situações em que se expõem ideias contraditórias. Em termos psicológicos, o duplipensar é conhecido como “dissonância cognitiva” e ocorre quando o conflito de ideias faz com que o indivíduo mede suas crenças para torná-las mais compatíveis. As convicções políticas ou sociais podem ser examinadas e criticadas sob a ótica do duplipensar, o que ajuda a compreender por que os adeptos de uma ideologia, um partido ou uma doutrina costumam seguir de modo tão fervoroso ideias aparentemente contrárias a todo mundo.

ARP, Robert (Editor). 1001 Ideias que Mudaram a Nossa Forma de Pensar. Tradução Andre Fiker, Ivo Korytowski, Bruno Alexander, Paulo Polzonoff Jr e Pedro Jorgensen. Rio de Janeiro: Sextante, 2014.

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Natureza de escritor

Desde muito pequeno, talvez em cinco ou seis anos de idade, eu sabia que devia ser escritor quando crescesse. Mais ou menos entre 16 e 24 anos, tentei abandonar essa ideia, mas o fiz consciente de que estava ultrajando minha verdadeira natureza e que mais cedo ou mais tarde teria de me conformar a escrever livros.

Eu tinha o hábito, típico de crianças solitárias, de inventar histórias e conversar com pessoas imaginárias.

ORWELL, George. Porque Escrevo e outros Ensaios. Tradução de Claudio Marcondes. São Paulo: Penguin Companhia de Letras, 2021.