O Arquipélago Gulag foi escrito por Aleksandr Soljenítsin (1918-2008), combatente na Segunda Guerra Mundial. Esteve preso e internado em campos de trabalho forçado de 1945 a 1953, após críticas privadas a Stalin. Nele estão relatados as prisões, as torturas e a vida dos detentos. O que impressiona não é o facto de haver no livro alguns erros factuais, mas o facto de que estes sejam tão poucos, considerando que o autor não tinha acesso aos arquivos, nem aos documentos oficiais.
No Dicionário da Língua Russa, de Dal, faz-se a seguinte distinção: o inquérito difere da instrução porque é feito para apurar previamente se há fundamento para a instrução. Mas isso é do dicionário; na prática, não há inquérito, investigação, mas simplesmente a instrução. Assemelha-se ao ditado: “Deem-me a pessoa que eu arrumo o crime”.
Como os carrascos
medievais, os nossos comissários instrutores, procuradores e juízes aceitaram
considerar como prova principal de culpa a confissão do acusado. Os métodos
utilizados para obtenção da confissão são: a persuasão num tom de
franqueza; o insulto grosseiro; o golpe do contraste psicológico;
a humilhação prévia; a intimidação (método
mais utilizado e muito variado); a mentira; o jogo com a afeição às
pessoas de família; o método sonoro; o espancamento,
sem deixar marcas.
"Privação do sono,
método que a Idade Média não avaliara devidamente: não sabia como é estreita a
margem em que o homem conserva a sua personalidade. A privação do sono é um
grande meio de tortura e que não deixa quaisquer sinais visíveis, nem sequer
motivo para queixas, caso surgisse amanhã uma inspeção nunca vista. «Não o
deixaram dormir? Mas isto não é uma casa de repouso!» Pode-se dizer que a
privação do sono se tornou um meio universal nos Órgãos, que saiu da categoria
das torturas para a regra da segurança do Estado".
Um caso interessante. "Natália Postroieva conta que uma vez estava a ser levada para o interrogatório por uma vigilante impassível, muda, zarolha, e de repente algures ao lado da Casa Grande começaram a cair bombas, parecia que iriam cair em cima delas. E a vigilante agarrou-se à sua prisioneira e horrorizada abraçou-a, procurando o calor e a compaixão humana. Mas passou o bombardeamento. E a zarolha voltou ao seu estado anterior: «Ponha as mãos atrás das costas! Avance!»".
O Arquipélago está já traduzido em dezenas de línguas, foi reeditado muitas vezes, debatido em
centenas de artigos — mas na URSS, por tê-lo lido clandestinamente em cópias de
má qualidade, quase ilegíveis, pode-se ir parar à prisão. Como a
humanidade se degrada? Como ainda estamos longe da regra de ouro
ensinada pela maioria das religiões?
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