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03 agosto 2020

Fato e Narrativa

George Orwell, autor do livro 1984, destaca a narrativa dos regimes autoritários: usam palavras que confundem a percepção da realidade. Para tanto, evoca-se a novilíngua (newspeak em inglês, novafala em português), língua extremamente simplificada, que tinha por objetivo substituir a antilíngua (Oldspeak), o inglês real, com o intuito de dominar o pensamento dos membros do Partido.

Vocabulário é reduzido ao mínimo. O mal converte-se em imbomótimo, em plusbom; terrível, em dupliplusimbom. Um bom falante é aquele que usa menos variedade de palavras para expressar uma ideia. O vocabulário divide-se em: 1) palavras de uso comum (comer, beber, árvore); 2) palavras construídas com fins políticos, com o objetivo de dirigir e controlar o pensamento do falante: bonsexobempensadamenteduplipensar; 3) composto exclusivamente de palavras científicas e técnicas, mas redefinidas de maneira que ficassem desprovidas de significados "potencialmente perigosos".

Presentemente, há os fatos e a narrativa da mídia, dos veículos de comunicação. Em vez de se dizer melhora, usa-se o termo "despiora". A CNN dos EUA, ao anunciar a recomendação da Sociedade Americana do Câncer, que muda para 25 anos em vez de 21, os testes de triagem como medida preventiva contra o câncer cervical, não usa o termo "mulher", mas "indivíduos com colo de útero". Há outros veículos que preferem o termo: "indivíduos com vagina". 

Pelo que estamos observando, esse romance deixou marcas profundas na narrativa dos fatos. O uso desses termos dificultam a percepção, instrumento essencial para a captação da realidade. Pensam com isso demolir a inteligência. Seria mais ou menos assim: você não precisa pensar, nós pensamos por você. 

A coibição do pensamento crítico é também encontrada no romance Admirável Mundo Novo (Brave New World) de Aldous Huxley, escrito em 1931 e publicado em 1932, e no romance Fahrenheit 451 de Ray Douglas Bradbury, em que bombeiros queimam livros, lançado em 1953 e filmado em 1966 por François Truffaut. 


02 outubro 2005

Fatos e Teorias

Deem-me "fatos" e não "teorias" é a queixa que mais frequentemente se ouve. A queixa pode ser justificada em protesto contra as teorias que não têm base nos fatos, mas usualmente cresce em função da incompreensão do relacionamento entre os fatos e as teorias. Contudo, para se chegar a um conhecimento profundo de um objeto, deve-se empreender maciços estudos teóricos.

Suponhamos, por exemplo, a compra de manteiga feita pela Senhora X. Para o economista, o fato relevante é a quantidade de manteiga recebida e o dinheiro gasto pela Senhora X, ou seja, taxa de troca estabelecida. O sorriso e a amabilidade do vendedor somente serão importantes se tiverem alguma influência na diminuição do preço da manteiga, quando comparado com outros estabelecimentos de venda do referido produto.

Suponhamos, também, que Oliver Cromwell tem uma verruga na ponta do seu nariz. Mas o que constitui este suposto "fato"? Para o químico é uma certa aglomeração de átomos e moléculas. Para o biólogo é uma certa impropriedade no comportamento das células. Para o psicólogo pode ser a chave para o conhecimento do caráter comportamental de Cromwell. Para o economista, o fato não tem significação nenhuma, a não ser quando ele tenciona despender alguns dólares na sua remoção. Qual é o fato sobre a verruga? Pode ser qualquer um dos acima citados, dependendo do esquema de interpretação adotado.

Tomemos, ainda, o exemplo da Senhora X que foi à mercearia comprar manteiga. Para o economista, como dissemos, o que vale é o preço e a quantidade de manteiga comprada. Para o oficial da saúde pública, o que interessa é verificar a composição química e bacteriológica da manteiga. Para o numismático, o que vale é observar as inscrições das moedas transacionadas. Como aqueles que dizem quero "fatos" e não "teorias", arrumar-se-iam para explicar os diferentes ponto de vista sobre o mesmo fato?

Na realidade, para observar com êxito, precisamos dos fatos que se escondem atrás dos objetos. Isso faz-nos selecionar. A nossa escolha é importante, porque ela mostra a estrutura mental que está atrás do conteúdo do fato observado. Dessa forma, o verdadeiro conceito de relevância implica a existência de uma teoria, porque os fatos serão relevantes somente em relação a algum corpo de princípios. Sem isso, caímos na verbosidade das palavras vazias.

Observemos fielmente os objetos. Não esperemos que os outros tenham a mesma visão que a nossa. O importante é dar a nossa contribuição ao fato. Somente assim construiremos um sólido edifício dos conhecimentos verdadeiros.

Fonte de Consulta

BOULDING, K. E., Economic Analysis. USA, Harper & Brothers, 1941.