Artigo
do Professor Edgar Moury Fernandes Neto. Advogado e Procurador do Estado de
Pernambuco.
* * *
Sei que o tema é sensível, desconheço quem dele tenha tratado sob
a vertente que vou explorar.
Sei, também, que correrei o risco de ser mal compreendido e ter as
minhas palavras vistas e julgadas pela ótica da ideologia, mas, mesmo assim,
sem a pretensão de esgotar o assunto, alertando ao leitor que aqui se trata de
uma interpretação jurídica pessoal, irei opinar.
Vamos lá.
A LETRA DO ART. 142, CF.
Diz o art. 142, CF: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha,
pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e
regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à
garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da
lei e da ordem”.
A QUE SERVE O ART. 142, CF?
Da leitura da norma, veem-se três missões constitucionais a cargo
das forças armadas: (i) defesa da pátria, em caso de agressão externa; (ii)
garantia ao pleno, independente e harmônico exercício de cada poder e (iii)
restauração da lei e da ordem, quando quebrada a normalidade geral.
A presente análise tem foco na violação dos Poderes
constitucionais.
O QUE É VIOLAÇÃO AOS PODERES CONSTITUCIONAIS?
Quando alguém atenta contra um dos três Poderes, agindo,
reiteradamente, para subverter o equilíbrio entre eles, vai muito além de
violar pontualmente a Constituição Federal.
Em assim agindo, o infrator nega vigência à própria República,
instalando situação de profunda disfunção institucional, que fere a democracia
e impede que o sistema constitucional e o País funcionem regularmente.
DE QUEM É A COMPETÊNCIA?
Ao contrário do que se possa pensar, não é do chefe de nenhum dos
três Poderes a competência para dirigir os atos necessários a dar concretude ao
art. 142, CF, mas, sim, da autoridade militar, que, por sua vez, deve adotar,
no que couber, os procedimentos estabelecidos na Lei Complementar 97/99, uma
vez acionada para tanto, por quaisquer dos três Poderes (no caso de garantia da
lei e da ordem), sempre por intermédio do Presidente da República.
QUAL A NATUREZA JURÍDICA DOS ATOS?
Ditos atos, ao meu ver, têm natureza correicional-administrativa,
garantidores que são da existência e do regular funcionamento da República, da
Democracia e do próprio País, segundo o modelo traçado pela Constituição
Federal, fundado na independência harmônica e equilíbrio entre os Poderes.
QUAL A INSTÂNCIA QUE DEVE GERIR O PROCEDIMENTO?
Interpretando a Lei 97/99, em cotejo com os princípios
constitucionais que regem todo e qualquer ato com potencial de restringir
direitos e de impor deveres, independentemente de quem as acione, as forças
armadas, em seu âmbito interno, instaurarão procedimento administrativo, no
bojo do qual estarão obrigadas a adotar, fundamentadamente, todas as
providências úteis e necessárias, inclusive investigatórias, para coibir o que
eventualmente esteja a violar quaisquer dos poderes constitucionais,
impondo-as, coercitivamente, às pessoas, grupos, órgãos ou autoridades
infratores, respeitados o devido processo legal, a ampla defesa, o
contraditório e demais garantias e direitos individuais.
CONTROLE JUDICIAL?
É claro que os atos em questão, assim como qualquer outro de
natureza público-administrativa, são passíveis de controle judicial, pois isso
decorre de expressa garantia constitucional.
Contudo, o controle judicial, em tese, passível de ser exercido,
jamais poderá ser invasivo ao mérito do ato administrativo, muito menos impedir
que a competência das forças armadas seja plenamente exercida, devendo, dito
controle, situar-se, apenas, no âmbito formal, para assegurar o devido processo
legal, a ampla defesa, o contraditório e demais garantias constitucionais, a
quem seja indicado como potencial responsável pela violação dos poderes
constitucionais e que, em tal condição, responderá ao procedimento e poderá ser
afetado pelos atos correicionais.
Em outras palavras: ao Judiciário não cabe impedir os atos ou a
revisão dos seus motivos, muito menos fazer juízo de valor sobre a sua
oportunidade e conveniência.
E AS DEMAIS INSTÂNCIAS?
De um modo geral, como se sabe, em face do princípio da
independência das instâncias administrativa, penal e cível, as decisões de cada
uma delas remanescem, não se prejudicam, nem se excluem, em caso de eventual
apreciação divergente acerca de atos e fatos relacionados a um mesmo tema a
elas todas submetido, devendo, pois, cada uma delas, cingir-se aos seus
respectivos efeitos e competência, ainda mais em se tratando de hipótese
excepcional como tal.
Isto é, outras medidas, de natureza política, cível ou criminal,
como, por exemplo, o impeachment, são cabíveis, concomitantemente, àquelas
atinentes ao art. 142, CF e podem ser apreciadas e julgadas de forma
independente e diversa, pela instância competente, mas sem que uma possa se
sobrepor à outra.
É GOLPE? É PODER MODERADOR? É GOVERNO?
A medida está prevista na Constituição Federal.
Portanto, embora excepcional, não é equiparável a um golpe militar
ou de qualquer outra natureza.
Além disso, não é governo paralelo ou substitutivo, nem exercício
de poder moderador, pois as forças armadas, enquanto instituições permanentes
de estado, não estão acima dos três Poderes, mas, sim, a serviço da República e
da Constituição Federal, agindo, quando acionadas por um deles e conforme o
caso, como uma espécie de força correicional armada, a ser imposta ao
responsável (quem quer que seja ele), ante situação de anomalia sistêmica.
Ademais, o procedimento precisa ter explícita e clara motivação,
objeto certo e determinado, além de vigir apenas pelo tempo necessário à
restauração da normalidade.
Não fosse apenas isso, somente pode ser adotado quando esgotados
e, inequivocamente, mostrem-se infrutíferos, todos os meios ordinários para
resolver a crise, o que implica dizer que, antes dele, deve haver exaustiva
contestação, administrativa, judicial e política.
O QUE ESTÁ ACONTECENDO?
Decisões judiciais equivocadas fazem parte da realidade forense.
Em face delas, há recursos e instâncias superiores.
Porém, erros de julgamento não são o mesmo que disfunções
institucionais, em que autoridades e órgãos invadem a competência dos demais
Poderes e se desviam de sua feição constitucional, a ponto de violar direitos e
garantias individuais, avocar atribuições policiais e do Ministério Público, em
processos e procedimentos estranhos à sua competência, onde se apresentam como
vítimas, investigadores, acusadores e julgadores.
O que se tem testemunhado é a “normalização de condutas” capazes
de colapsar o sistema constitucional, fraturar a República e convulsionar
social e economicamente o País.
BOM SENSO, POR FAVOR!
Sei que é difícil, talvez já se tenha passado de um ponto de
retorno, mas, sinceramente, desejo que as mais altas autoridades brasileiras
tenham lucidez, espírito público e sabedoria para interromper esse ciclo de
“aproximações sucessivas” ao caos e se voltem, cada uma delas, apenas aos seus
respectivos papéis institucionais e competência, de modo a evitar o enorme
trauma que esse amargo remédio constitucional causará, ao povo e ao País, caso
venha a ser implementado.
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