24 agosto 2021

Artigo 142 da C. F.

 

Artigo do Professor Edgar Moury Fernandes Neto. Advogado e Procurador do Estado de Pernambuco.

* * *

Sei que o tema é sensível, desconheço quem dele tenha tratado sob a vertente que vou explorar.

Sei, também, que correrei o risco de ser mal compreendido e ter as minhas palavras vistas e julgadas pela ótica da ideologia, mas, mesmo assim, sem a pretensão de esgotar o assunto, alertando ao leitor que aqui se trata de uma interpretação jurídica pessoal, irei opinar.

Vamos lá.

A LETRA DO ART. 142, CF.

Diz o art. 142, CF: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

A QUE SERVE O ART. 142, CF?

Da leitura da norma, veem-se três missões constitucionais a cargo das forças armadas: (i) defesa da pátria, em caso de agressão externa; (ii) garantia ao pleno, independente e harmônico exercício de cada poder e (iii) restauração da lei e da ordem, quando quebrada a normalidade geral.

A presente análise tem foco na violação dos Poderes constitucionais.

O QUE É VIOLAÇÃO AOS PODERES CONSTITUCIONAIS?

Quando alguém atenta contra um dos três Poderes, agindo, reiteradamente, para subverter o equilíbrio entre eles, vai muito além de violar pontualmente a Constituição Federal.

Em assim agindo, o infrator nega vigência à própria República, instalando situação de profunda disfunção institucional, que fere a democracia e impede que o sistema constitucional e o País funcionem regularmente.

DE QUEM É A COMPETÊNCIA?

Ao contrário do que se possa pensar, não é do chefe de nenhum dos três Poderes a competência para dirigir os atos necessários a dar concretude ao art. 142, CF, mas, sim, da autoridade militar, que, por sua vez, deve adotar, no que couber, os procedimentos estabelecidos na Lei Complementar 97/99, uma vez acionada para tanto, por quaisquer dos três Poderes (no caso de garantia da lei e da ordem), sempre por intermédio do Presidente da República.

QUAL A NATUREZA JURÍDICA DOS ATOS?

Ditos atos, ao meu ver, têm natureza correicional-administrativa, garantidores que são da existência e do regular funcionamento da República, da Democracia e do próprio País, segundo o modelo traçado pela Constituição Federal, fundado na independência harmônica e equilíbrio entre os Poderes.

QUAL A INSTÂNCIA QUE DEVE GERIR O PROCEDIMENTO?

Interpretando a Lei 97/99, em cotejo com os princípios constitucionais que regem todo e qualquer ato com potencial de restringir direitos e de impor deveres, independentemente de quem as acione, as forças armadas, em seu âmbito interno, instaurarão procedimento administrativo, no bojo do qual estarão obrigadas a adotar, fundamentadamente, todas as providências úteis e necessárias, inclusive investigatórias, para coibir o que eventualmente esteja a violar quaisquer dos poderes constitucionais, impondo-as, coercitivamente, às pessoas, grupos, órgãos ou autoridades infratores, respeitados o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e demais garantias e direitos individuais.

CONTROLE JUDICIAL?

É claro que os atos em questão, assim como qualquer outro de natureza público-administrativa, são passíveis de controle judicial, pois isso decorre de expressa garantia constitucional.

Contudo, o controle judicial, em tese, passível de ser exercido, jamais poderá ser invasivo ao mérito do ato administrativo, muito menos impedir que a competência das forças armadas seja plenamente exercida, devendo, dito controle, situar-se, apenas, no âmbito formal, para assegurar o devido processo legal, a ampla defesa, o contraditório e demais garantias constitucionais, a quem seja indicado como potencial responsável pela violação dos poderes constitucionais e que, em tal condição, responderá ao procedimento e poderá ser afetado pelos atos correicionais.

Em outras palavras: ao Judiciário não cabe impedir os atos ou a revisão dos seus motivos, muito menos fazer juízo de valor sobre a sua oportunidade e conveniência.

E AS DEMAIS INSTÂNCIAS?

De um modo geral, como se sabe, em face do princípio da independência das instâncias administrativa, penal e cível, as decisões de cada uma delas remanescem, não se prejudicam, nem se excluem, em caso de eventual apreciação divergente acerca de atos e fatos relacionados a um mesmo tema a elas todas submetido, devendo, pois, cada uma delas, cingir-se aos seus respectivos efeitos e competência, ainda mais em se tratando de hipótese excepcional como tal.

Isto é, outras medidas, de natureza política, cível ou criminal, como, por exemplo, o impeachment, são cabíveis, concomitantemente, àquelas atinentes ao art. 142, CF e podem ser apreciadas e julgadas de forma independente e diversa, pela instância competente, mas sem que uma possa se sobrepor à outra.

É GOLPE? É PODER MODERADOR? É GOVERNO?

A medida está prevista na Constituição Federal.

Portanto, embora excepcional, não é equiparável a um golpe militar ou de qualquer outra natureza.

Além disso, não é governo paralelo ou substitutivo, nem exercício de poder moderador, pois as forças armadas, enquanto instituições permanentes de estado, não estão acima dos três Poderes, mas, sim, a serviço da República e da Constituição Federal, agindo, quando acionadas por um deles e conforme o caso, como uma espécie de força correicional armada, a ser imposta ao responsável (quem quer que seja ele), ante situação de anomalia sistêmica.

Ademais, o procedimento precisa ter explícita e clara motivação, objeto certo e determinado, além de vigir apenas pelo tempo necessário à restauração da normalidade.

Não fosse apenas isso, somente pode ser adotado quando esgotados e, inequivocamente, mostrem-se infrutíferos, todos os meios ordinários para resolver a crise, o que implica dizer que, antes dele, deve haver exaustiva contestação, administrativa, judicial e política.

O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

Decisões judiciais equivocadas fazem parte da realidade forense. Em face delas, há recursos e instâncias superiores.

Porém, erros de julgamento não são o mesmo que disfunções institucionais, em que autoridades e órgãos invadem a competência dos demais Poderes e se desviam de sua feição constitucional, a ponto de violar direitos e garantias individuais, avocar atribuições policiais e do Ministério Público, em processos e procedimentos estranhos à sua competência, onde se apresentam como vítimas, investigadores, acusadores e julgadores.

O que se tem testemunhado é a “normalização de condutas” capazes de colapsar o sistema constitucional, fraturar a República e convulsionar social e economicamente o País.

BOM SENSO, POR FAVOR!

Sei que é difícil, talvez já se tenha passado de um ponto de retorno, mas, sinceramente, desejo que as mais altas autoridades brasileiras tenham lucidez, espírito público e sabedoria para interromper esse ciclo de “aproximações sucessivas” ao caos e se voltem, cada uma delas, apenas aos seus respectivos papéis institucionais e competência, de modo a evitar o enorme trauma que esse amargo remédio constitucional causará, ao povo e ao País, caso venha a ser implementado.

 

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