02 julho 2008

Liberalismo

O liberalismo como fenômeno histórico é difícil de se definir, a menos que queiramos cair numa história paralela dos diversos liberalismos. A razão desta dificuldade prende-se a três tipos de fatores: a) a história do liberalismo acha-se intimamente ligada à história da democracia; b) o liberalismo manifesta-se diferentemente nos diversos países, conforme o seu grau de desenvolvimento; c) não é possível falar de uma história-difusão do liberalismo, embora o modelo de evolução político inglês tenha exercido uma influência determinante.

O adjetivo liberal, do qual emerge o liberalismo, assumiu historicamente diversos sentidos. O historiador puro, por exemplo, utiliza o termo cunhado a partir do século XIX. Antes, contudo, o termo indicava uma atitude aberta, tolerante, generosa ou as profissões exercidas pelos homens livres. De fato, tal termo aparece, primeiro, na proclamação de Napoleão (18 brumário), entrando, depois, definitivamente, na linguagem política através das cortes de Cadiz, em 1812, para determinar o partido que defendia as liberdades públicas contra o partido servil.

O mapa dos movimentos liberais do século XX não nos possibilita chegar a uma satisfatória definição de liberalismo, dada a ambiguidade do termo liberal. Será que buscando o seu substantivo, a liberdade, o conseguiríamos? Politicamente, a liberdade pode ser vista sob três aspectos: naturalracional e libertadora. No âmbito da liberdade natural, quanto maior o poder mais liberdade, chegando ao cúmulo do déspota ser a pessoa mais livre do mundo, porque teoricamente manda em todos; no âmbito da liberdade racional, aquela que se obtém pelo conhecimento; no âmbito da liberdade libertadora que, participando da liberdade natural e liberdade racional, propõe a emancipação ética do homem. Vê-se também que isto pouco auxilia na definição histórica do liberalismo.

O liberalismo, na civilização moderna, pode ser visto de forma temporal ou estrutural. Temporal — quando interpretamos o espírito de uma época; estrutural — quando interpretamos as estruturas (Estado, mercado, opinião pública etc.). O liberalismo temporal perdurou entre as duas grandes guerras; liberalismo estrutural após as guerras. Ambas, todavia, se situam no mesmo horizonte de discurso: o liberalismo é um fenômeno que caracteriza a Europa na Idade Moderna. Esta afirmação é correta, quando o uso do adjetivo "moderno" é apenas neutro e descritivo. Muitas vezes, porém, o termo "moderno" significa melhor, no sentido do bem sobrepujar o mal.

Pelo fato do termo "moderno" ter um valor, surgem diversos preconceitos. O preconceito filosófico — que é interpretar o liberalismo político pelo liberalismo filosófico — assume papel relevante. No campo da religião, o calvinismo derruba a necessidade de se ter uma hierarquia eclesiástica; com Descartes, há rejeição da tradição. Com isso a razão foi endeusada. Assim sendo, as origens do liberalismo coincidem com a própria formação da "civilização moderna" (europeia), que se constitui na vitória do imanentismo sobre o transcendentalismo, a liberdade sobre a revelação, da razão sobre a autoridade, da ciência sobre o mito.

Embora não se tenha uma definição acertada, o conteúdo do Contrato Social de Rousseau tem grande importância, quando este relaciona a responsabilidade do Estado e a corresponsabilidade de cada um com relação à vontade geral.

Fonte de Consulta

BOBBIO, N., MATTEUCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de Política. 2. ed., Brasília, UNB, 1986.

&&&

liberalismo de hoje não tem o mesmo significado que tinha no passado. No século XIX, preservava-se a liberdade do indivíduo e, consequentemente, a autoridade e a coerção só eram justificáveis se exigidas pela liberdade. Nos Estados Unidos, "liberais" seriam de "esquerda" em termos europeus, isto é, pessoas que aceitam um maior papel do Estado na Economia muito mais do que seria endossado pelos conservadores.

Para uma boa compreensão do liberalismo, urge separarmos política de religião. A religião é estática; a política, dinâmica. Na religião, obedecemos à revelação, à ortodoxia, aos dogmas impostos por tal corpo doutrinário. Na política, devemos estar sujeitos às leis estabelecidas pelo consenso a que se chegou depois de discussões, opiniões e contrariedades.

Na modernas democracias — uma sociedade de desconhecidos —, leva-se muito em conta o princípio de responsabilidade. Significa dizer que quando um de seus membros quebra uma norma estabelecida, prejudicando terceiros, terá obrigatoriamente de ressarci-los. Nesse caso, um ladrão, mesmo depois de preso, deve devolver o valor do roubo.

As sociedades modernas estão fundamentadas nos direitos e deveres. Os direitos permitem estabelecer uma sociedade baseada em normas. "Um direito é como um muro que define o meu território soberano: ao reivindicá-lo, estabeleço um veto absoluto sobre aquilo que o outro pode fazer". 

A Parábola do bom samaritano, em que um desconhecido ajuda outro desconhecido no caminho de Damasco, impõe enorme responsabilidade sobre todos nós. 

Fonte de Consulta

SCRUTON, Roger. Como Ser um Conservador. Tradução de Bruno Garschagen.  4. ed., Rio de Janeiro: Record, 2016. 



Nenhum comentário: