O liberalismo como fenômeno histórico é difícil de se definir, a menos
que queiramos cair numa história paralela dos diversos liberalismos. A razão
desta dificuldade prende-se a três tipos de fatores: a) a história do
liberalismo acha-se intimamente ligada à história da democracia; b) o
liberalismo manifesta-se diferentemente nos diversos países, conforme o seu
grau de desenvolvimento; c) não é possível falar de uma história-difusão do
liberalismo, embora o modelo de evolução político inglês tenha exercido uma
influência determinante.
O adjetivo liberal, do qual emerge o liberalismo, assumiu historicamente
diversos sentidos. O historiador puro, por exemplo, utiliza o termo cunhado a
partir do século XIX. Antes, contudo, o termo indicava uma atitude aberta,
tolerante, generosa ou as profissões exercidas pelos homens livres. De fato,
tal termo aparece, primeiro, na proclamação de Napoleão (18 brumário),
entrando, depois, definitivamente, na linguagem política através das cortes de
Cadiz, em 1812, para determinar o partido que defendia as liberdades públicas
contra o partido servil.
O mapa dos movimentos liberais do século XX não nos possibilita chegar a
uma satisfatória definição de liberalismo, dada a ambiguidade do termo liberal.
Será que buscando o seu substantivo, a liberdade, o conseguiríamos?
Politicamente, a liberdade pode ser vista sob três aspectos: natural, racional e libertadora.
No âmbito da liberdade natural, quanto maior o poder
mais liberdade, chegando ao cúmulo do déspota ser a pessoa mais livre do mundo,
porque teoricamente manda em todos; no âmbito da liberdade racional, aquela
que se obtém pelo conhecimento; no âmbito da liberdade
libertadora que, participando da liberdade natural e liberdade
racional, propõe a emancipação ética do homem. Vê-se também que isto pouco
auxilia na definição histórica do liberalismo.
O liberalismo, na civilização moderna, pode ser visto de forma temporal
ou estrutural. Temporal — quando interpretamos o espírito de uma época;
estrutural — quando interpretamos as estruturas (Estado, mercado, opinião
pública etc.). O liberalismo temporal perdurou entre as duas grandes guerras;
liberalismo estrutural após as guerras. Ambas, todavia, se situam no mesmo
horizonte de discurso: o liberalismo é um fenômeno que caracteriza a Europa na
Idade Moderna. Esta afirmação é correta, quando o uso do adjetivo
"moderno" é apenas neutro e descritivo. Muitas vezes, porém, o termo
"moderno" significa melhor, no sentido do bem sobrepujar o mal.
Pelo fato do termo "moderno" ter um valor, surgem diversos
preconceitos. O preconceito filosófico — que é interpretar o liberalismo
político pelo liberalismo filosófico — assume papel relevante. No campo da
religião, o calvinismo derruba a necessidade de se ter uma hierarquia
eclesiástica; com Descartes, há rejeição da tradição. Com isso a razão foi
endeusada. Assim sendo, as origens do liberalismo coincidem com a própria
formação da "civilização moderna" (europeia), que se constitui na
vitória do imanentismo sobre o transcendentalismo, a liberdade sobre a
revelação, da razão sobre a autoridade, da ciência sobre o mito.
Embora não se tenha uma definição acertada, o conteúdo do Contrato
Social de Rousseau tem grande importância, quando este relaciona a
responsabilidade do Estado e a corresponsabilidade de cada um com relação à
vontade geral.
Fonte de Consulta
BOBBIO, N., MATTEUCI, N. e PASQUINO, G. Dicionário de Política.
2. ed., Brasília, UNB, 1986.
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O liberalismo de hoje não tem o mesmo
significado que tinha no passado. No século XIX, preservava-se a liberdade do
indivíduo e, consequentemente, a autoridade e a coerção só eram justificáveis
se exigidas pela liberdade. Nos Estados Unidos, "liberais" seriam de
"esquerda" em termos europeus, isto é, pessoas que aceitam um maior
papel do Estado na Economia muito mais do que seria endossado pelos
conservadores.
Para uma boa compreensão do liberalismo, urge separarmos
política de religião. A religião é estática; a política, dinâmica. Na religião,
obedecemos à revelação, à ortodoxia, aos dogmas impostos por tal corpo
doutrinário. Na política, devemos estar sujeitos às leis estabelecidas pelo
consenso a que se chegou depois de discussões, opiniões e contrariedades.
Na modernas democracias — uma sociedade de desconhecidos —,
leva-se muito em conta o princípio de responsabilidade. Significa dizer que
quando um de seus membros quebra uma norma estabelecida, prejudicando
terceiros, terá obrigatoriamente de ressarci-los. Nesse caso, um ladrão, mesmo
depois de preso, deve devolver o valor do roubo.
As sociedades modernas estão fundamentadas nos direitos e
deveres. Os direitos permitem estabelecer uma sociedade baseada em normas.
"Um direito é como um muro que define o meu território soberano: ao
reivindicá-lo, estabeleço um veto absoluto sobre aquilo que o outro pode
fazer".
A Parábola do bom samaritano, em que um desconhecido ajuda
outro desconhecido no caminho de Damasco, impõe enorme responsabilidade sobre
todos nós.
Fonte de Consulta
SCRUTON, Roger. Como Ser um Conservador. Tradução
de Bruno Garschagen. 4. ed., Rio de Janeiro: Record, 2016.
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